Reflexão Religiosa: O papel da Igreja no enfrentamento à violência contra a mulher
Por Rev. Marcelo Custodio de Andrade*
“a violência não é força, mas fraqueza, nem nunca poderá ser criadora de coisa alguma, apenas destruidora” B. Croce (filósofo italiano, 1866-1956).
“Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.” Lei 11340/06 (Lei Maria da Penha)
A violência é a comprovação mais clara da degradação humana. Quem usa da violência para terminar uma conversa ou para impor sua vontade, declara-se, comprovadamente, inadequado para viver em sociedade. A violência sempre será a antítese da capacidade de conviver. Violentar é perder o direito de explicar, de dialogar e de aprimorar. Quem recebe a violência sofre a pior das humilhações e das violações. Mas os fatos mostram que nem todos sabem disso.
A violência contra a mulher, infelizmente, é um fato. Segundo os dados do Relatório Central de Atendimentos (Ligue 180) de agosto de 2014, 43,85% das mulheres que relataram violência doméstica disseram sofrer violência diariamente, e 33,31% disseram sofre violência semanalmente. Segundo a ONG “Compromisso e Atitude” para cada 100 mil mulheres, contabiliza-se 4,4 assassinatos, deixando o Brasil em 7o lugar entre todos os países para esse tipo de crime. Ainda, segundo as estatísticas, 6 em cada 10 pessoas dizem saber ou conhecer algum caso de violência contra mulher. Segundo os dados, a maioria dos casos é de marido ou namorado, cerca de 80% das denúncias.
As raízes da violência contra a mulher estão também na formação do Brasil. O patriarcalismo, uma das principais raízes, muito bem descrito e desenvolvido por Gilberto Freyre em “Casa-Grande e Senzala”, apresenta o homem como a maior autoridade e todos os diferentes dele devem-lhe submissão e obediência, gerando uma relação desigual e hierarquizada. Essa forma de poder associada ao escravismo gerou um país vitimado e reprodutor desses valores. O homem sentindo-se dono da mulher a violenta para impor-lhe sua vontade e seu poder.
Alguns anos atrás fui a uma casa que acolhe mulheres vítimas de violência doméstica. A visita era pastoral, e assim, fiz uma leitura bíblica seguida de uma breve reflexão. Li apenas um versículo bíblico do Evangelho de Mateus 5.6: “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos”. Na ocasião, lembramos que quem tem fome e sede são aqueles que não tem nada para comer e para beber. Jesus, porém, estava falando àqueles que têm fome e sede de justiça, que tinha absolutamente nada de justiça para si. É para esses que Jesus disse: “vocês serão fartos”. A resposta de Jesus para os injustiçados é a fartura. Fartura de amor, fartura de consolo, fartura de restauração, fartura de justiça. Jesus estava oferecendo todas essas coisas para os que recebessem o Reino de Deus.
A prática cristã é contra qualquer tipo de violência. Ao contrário disso, a vida cristã é direcionada para a prática da justiça de Deus em nossa sociedade. Essa justiça é baseada no amor e no serviço ao próximo. Nas virtudes do arrependimento e do perdão. Na restauração dos feridos e na dignidade do ser humano. Precisam de restauração o que violenta e a que é violentada. O primeiro precisa de redenção. A segunda de amor, acolhimento e justiça. A proposta cristã é para todos, os violentos e as vítimas. É para todos porque sem a relação entre ser humano e Deus a vida é um caos, fortemente marcada pela maldade e injustiça.
A mulher merece amor. Jamais deve sofrer qualquer tipo de violência. O sentimento de injustiça faz todo sentido. A indignação é justa. Os pedaços de sua alma estão por toda parte. Que o amor de Cristo seja suficiente para a restauração de cada mulher vítima de violência. E que a violência contra a mulher cesse o mais rápido possível. Abaixo segue um poema, escrito por uma mulher que sofreu violência sexual em sua infância, preserva-se o nome da autora:
Sobrevivi ao Temporal
Vivi e sonhei
Acordei, Vi a ferida ali,
O buraco, o vazio
Chorei de dor, senti o frio
Caí na dura real
Não sabia se era esse o normal
Não se pode voltar tão atrás,
Cacos que não se ajuntam mais
O que senti não sei definir tão bem
Sei que muitas, muitas vezes chorei
Corri pra Deus, senti a confusão, vasculhei o coração
Deixei a raiva sair, pedi para entra o perdão
A tempestade que veio em cheio me atingiu,
Arrastou, levou muito de mim,
Mas se não fosse assim seria eu quem sou?
Se era o mal a intenção, não destruiu meu coração
Não quero achar que é normal
Só o que sei, estou aqui,
Sobrevivi ao temporal
*Rev. Marcelo Custodio de Andrade é pastor da IPIB, membro do Conselho Diretor da AEB, atualmente dirige um projeto de plantação de uma nova Igreja na cidade de São Paulo. É formado em Economia e Teologia, tem pós-graduação em Ciência Política e é Mestrando em Ciências da Religião.