Por Ronilson Pacheco ¹
O que chamam de “defesa da fé genuína” é, na maioria das vezes, uma negação do reconhecimento do Outro. Eles [os evangélicos] são incapazes de olhar nos olhos, negam que existam outras vozes, contextos e realidades. São incapazes de reconhecer o outro como outro e não como uma projeção do que eles querem que o outro se torne.
Como bem disse Judith Butler, “o reconhecimento não pode ser reduzido à formulação e à emissão de juízo sobre os outros”. Mas é só assim que eles parecem saber reconhecer.
Tempos sombrios estes em que a abertura para o diálogo para discutir as questões de interesse público, não com a arrogância de “donos da verdade”, mas dispostos a ouvir a dor do outro, suas razões, sua história, sua compreensão de mundo, e ir em direção ao pobre, ao marginalizado, aos grupos sociais vulneráveis e invisibilizados em seus direitos e reivindicações, são confundidos com “traição ao Evangelho”.
O que eles querem é neutralizar o outro como opositor, disputam a interpretação bíblica vociferando imparcialidade, mas já comprometidos com uma intolerância altiva. Se o outro é um opositor, ele é uma ameaça. Como disse Emmanuel Lévinas, filósofo francês, judeu, que tão bem pensou a alteridade, “outro, como outro, não é somente um alter ego, ele é o que eu não sou”. Aí está o dilema: o outro não sou eu. Pensando em esfera pública, o grupo social, qualquer um, que é o que nós não somos, disputa comigo a vida, a realidade, a cultura, a tradição, a política, o ordenamento jurídico, os direitos. Acrescenta Lévinas que “reduzir uma realidade ao seu conteúdo pensado é reduzi-la ao Mesmo”, ou seja, cotidianamente, o que fazem é violentar a realidade, ignorando seus outros atores e sufocando outras vozes, para reduzi-la às suas próprias convicções.
Tempos sombrios estes, como o profeta Isaías denunciou: eles “têm prazer em se achegarem a Deus” (Is 58:2), mas ignoram tudo ao redor, inclusive a arrogância e o ódio que destilam, a maldade em suas palavras e intenções, desqualificando, hostilizando e humilhando muitos dos que estão tentando ir em direção ao outro. Falam de um “Evangelho para ser agradável e mais fácil pra todo mundo”. É ao mesmo tempo uma acusação, mas, quem sabe, também não seria um bom reconhecimento, já que Jesus, no Sermão da Montanha, torna a Lei acessível para todos, tira dela o peso de uma instituição que controla e pune, segundo a rigidez dos fariseus e sacerdotes, e dá a ela o caráter de uma inspiração para o viver comum, o amar uns aos outros, o não julgar, a comunhão e a sensibilidade frente a um mundo duro e opressor.
¹ Ronilso Pacheco é evangélico e estuda Teologia na PUC do Rio, também integra a RENAS-Rio, afiliada da Rede Evangélica Nacional de Ação Social
Artigo adaptado com autorização do autor. Para ler na íntegra, clique aqui.