O não debate sobre maioridade penal
Por Carlos Alberto Bezerra Jr.*
Mergulhado num rasteiro índice de aprovação de um dígito, o Congresso Nacional tenta ressuscitar uma das jogadas de marketing mais bem sucedidas dos últimos tempos: a redução da maioridade penal. Turbinada por um conjunto de informações falsas, sob medida para alimentar sentimentos coletivos de vingança, ganhou status de verdade absoluta.
Basta apresentar um dado contrário ou se dizer contra para imediatamente ser acusado de defender a impunidade, na lógica binária de que, se você é contra a redução da maioridade penal automaticamente é a favor de nenhuma responsabilização para crimes cometidos por adolescentes. Isso quando a reação não vem em forma de ameaça, o paradoxo da pessoa que deseja publicamente o assassinato de toda a sua família em nome do fim da violência.
É importante diferenciar duas discussões quase opostas que têm sido colocadas no mesmo balaio. A primeira, que eu considero importante e legítima, é a melhoria e atualização do sistema de medidas socioeducativas para adolescentes, de forma a atender as demandas do mundo de hoje e solucionar as falhas identificadas em 25 anos de aplicação.
Ocorre que a discussão não é essa, a proposta é simplesmente passar os adolescentes para o sistema de punição adulto. Entre os criminosos adultos, a reincidência chega a 70% .No sistema destinado a adolescentes gira em torno de 20%, sendo mais próxima dos 13% no Estado de São Paulo. Na prática, a primeira consequência da redução da maioridade penal seria criar um curso profissionalizante de reincidência criminal para adolescentes.
Além disso, apesar de os defensores da medida darem a entender que 200% dos crimes são cometidos por adolescentes, o número é de 0,9%, caindo para 0,5% – isso mesmo, meio por cento – no caso de crimes violentos. Uma mudança que não afete 99,5% da criminalidade não teria efeito sobre a sensação de impunidade, que nasce de fatos como o de apenas 8% dos homicídios serem punidos no Brasil.
Há países que adotaram essa medida e o resultado sempre foi o aumento da criminalidade. Alemanha e Espanha voltaram atrás, colocando a maioridade em 18 anos de idade, com algumas responsabilidades apenas após os 21 anos.
Ao contrário do que se alardeia por aí, 70% dos países-membros da ONU fixaram esse limite em 18 anos, inclusive os tais “países desenvolvidos”. Levando em conta o mesmo critério utilizado para dizer que os europeus punem a partir dos 13 anos, no Brasil, a idade para responsabilização penal é de 12 anos.
O conceito de pagar pelo crime independentemente da idade é adotado por países como o Paquistão, que levou a julgamento por tentativa de homicídio um bebê de 9 meses que atirou uma pedra em um policial.
Apesar dos fatos e contra eles, a redução da maioridade penal faz um sucesso retumbante. A última pesquisa Ibope mostra que 83% dos brasileiros são a favor da redução de 18 para 16 anos. Na pesquisa Datafolha, 93% dos paulistanos são favoráveis e, o mais intrigante, 52% acreditam mesmo que seria a principal medida para reduzir a criminalidade juvenil.
O mais impressionante é que nosso problema é o oposto: assassinatos de jovens. Em nota oficial, o Unicef lembra que “os homicídios já representam 36,5% das causas de morte, por fatores externos, de adolescentes no País, enquanto para a população total correspondem a 4,8%. (…) As vítimas têm cor, classe social e endereço. Em sua grande maioria, são meninos negros, pobres, que vivem nas periferias das grandes cidades.”
Também são contrários à redução da maioridade penal o Unicef, o Ministério Público e a OAB. Entre os religiosos, somos contrários os evangélicos representados pela Visão Mundial, a Rede Fale e a Rede Evangélica Nacional de Ação Social, além dos católicos representados pela CNBB.
Defender a redução da maioridade penal é distorcer fatos em nome de surfar numa onda de vingança coletiva que faz um enorme sucesso. É a tentativa surreal de pisotear ainda mais o oprimido e justificar como ação para conter a mão pesada do opressor.
Claro que temos problemas e a população apresenta demandas e anseios legítimos, mas um debate movido a ódio e intransigência jamais trará respostas razoáveis. Um futuro melhor não se constrói com grito nem batendo no peito, é feito de diálogo democrático, aberto, sincero, com base nos fatos. Justamente aquilo que não faz sucesso nas redes sociais.
* Carlos Alberto Bezerra Jr. é evangélico, médico e Deputado Estadual pelo PSDB-SP